sexta-feira, 25 de junho de 2010

CDRS acompanha e apóia a luta dos Agricultores Familiares

Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável

Os pequenos agricultores de Santa Maria abastecem a cidade com suas colheitas, mas correm o risco de perder tudo e, ainda, o risco de não ter para onde ir

O Lote 9A, no Núcleo Rural de Santa Maria, foi subdividido em 15 glebas com área variando entre três e cinco hectáres. Publicado no Diário Oficial do DF, do dia 21 de dezembro de 1999, a extinta Fundação Zoobotânica autoriza a subdvisão e a assinatura de contratos de uso, aos chacareiros, por 50 anos. Alguns dos relacionados no DODF já exploravam a área com plantações e criação de animais, como o caso de Manoel Fonseca Filho e João Rodrigues da Silva.


O Núcleo Rural de Santa Maria forma um grande triângulo em torno das nascentes do Ribeirão Santa Maria, que por sua beleza natural, durante muito tempo foi palco para atividades ilegais de lazer, prática de caça e extração de madeira. Segundo o relatório  da Secretaria de Meio Ambiente e Recurso Hídricos-Semarh (Seduma), de 2004, o trecho inicial da sub-bacia sofre grandes impactos originado principalmente pela urbanização da cidade de Santa Maria (como asfalto, habitações etc), o que provocou ao longo do tempo intenso processo erosivo. Uma cratera com 200 metros de extensão e mais de 50 metros de profundidade, e lá no fundo a nascente do Ribeiro Santa Maria, e que levou as autoridades reconhecer a urgente necessidade de encontrar uma saída para o problema, que já ocasionava perda do solo, assoreamento dos córregos das nascentes e a ameaça de o buraco chegar à cidade. Como medida emergencial foi construido um canal emissário de águas pluviais, desviando a enxurrada que antes descia em direção à erosão. Mas, a construção do canal gerou outros problemas, para abrir passagem foram derrubadas as casas dos lotes 02 e 03, respectivamente dos senhores André Avelino e Manoel Fonseca, sob a alegação de que o canal passaria exatamente no local das edificações. O que hoje pode ser constatado que houve foi um desvio nos estudos do projeto da construção pois, o canal passa a mais de 30 metros do local onde ficava a casa de Manoel Fonseca e a mais de 100 metros da casa de André Avelino que por sua vez ainda teve prejuizos com derrubada de cercas e arrancadas várias mudas de ipês compradas de viveiristas.


 Ainda segundo o relatório, as obras do canal emissário não estão concluidas porque falta a revegetação, destruida durante a construção, e o isolamento da área com cercas. Grandes quantidades de lixo se acumulam ao longo do canal a céu aberto. “Já tiramos sofás, máquinas de lavar, muitos pneus e móveis de todo jeito. Latas, garrafas e até bicho morto. Tudo jogado aí dentro do canal.” informou Francisco André Avelino, presidente da Associação dos Produtores Rurais de Santa Maria. Outro problema, e dos grandes, é a insuficiente capacidade que o canal tem para escoar todo o volume hídrico, com isso, a água das chuvas transborda e vem provocando severo processo de erosão em algumas chácaras. Além disso, uma das nascentes, durante a construção, foi desviada para o canal e nunca reconduzido ao leito normal, o que pode afetar o potencial da bacia hídrica, segundo a Semarh. O que pode ser constatado, a qualquer hora do dia, com a água limpa que escorre sem parar pelo corredor do canal, próximo às chácaras 01 e 02. Esses impactos envolvem providências urgentes da Companhia de Saneamente de Brasília (Caesb).


O estudo apontou, em 2004, algumas deficiências nas técnicas agropecuárias adotadas pelos produtores: carência de processos básicos de conservação do solo e da água; e necessidade de imediata reformulação tecnológica mediante capacitação dos agricultores. O que vem se corrigindo a partir da assistência que a Embrapa e Emater/DF oferecem aos agricultores. Orgulhosos, os produtores exibem suas carteirinhas que os capacita como Pequenos Produtores Rurais Familiares, expedida pela Emater/DF. Como demonstração e incentivo aos demais chacareiros, foi implado na chácara de André Avelino, o projeto de irrigação por gotejamento, convênio entre a Associação dos Produtores, Embrapa Hortaliças e Emater/DF. O sistema, segundo técnicos das entidades, tem 95% de eficiência no uso da água, sempre colocada na quantidade exata, levando-se em consideração a necessidade da planta. Não há perdas por evaporação. O sistema pode ser utilizado em pequenas e grandes áreas e em terrenos acidentados. É uma tecnologia fácil, e tem como vantagens o uso racional dos recursos hídricos, a padronização da produção, a antecipação das colheitas em aproximadamente 15 dias e, consequentemente, por entrar mais cedo no mercado, a obtenção de melhores preços. 


Mas, a Semarh (Seduma) também reconheceu os impactos benéficos resultantes da agropecuária local. Considerou que a presença dos agricultores inibiu a ação predatória da caça ilegal, a captura de animais silvestres, a extração de madeira e a poluição hídrica causada pelo lazer descontrolado. O pequeno produtor, Carlos André Santana, alimenta o sonho de reflorestar a área degradada pela erosão. Sozinho, iniciou o projeto plantando mudas da flora do cerrado, compradas da Embrapa. Hoje Carlos já produz mudas oriundas de sementes nativas. “Vou reflorestar a área e salvar a nascente que está ameaçada no fundo da cratera! Vou devolver o que foi destruido!”, disse. Na prática o projeto ainda é humilde, mas o sonho do pequeno produtor é tão grande quanto a certeza de que outros ainda se juntarão a ele. Carlos divide os cuidados do projeto com a lida na chácara, de onde tira o sustento da família com produção de hortaliças e criação de aves. Não tem carro nem carroça. Com uma bicicleta percorre as ruas de Santa Maria para  vender seus produtos, “É mais saudável!”, diz Carlos em largo sorriso.


Apesar do reconhecido bem que promovem à área, à Cidade e ao meio ambiente, os produtores não têm vivido com tranquilidade. Passados quatro anos da subdivisão e publicação no DODF, em 2003 os posseiros foram surpreendidos pela notícia de que deveriam desocupar as chácaras, “falaram que a área seria transformada em Parque Ambiental mas, já tivemos notícias de que querem é fracionar as áreas rurais, pois sempre aparece alguém querendo comprar as chácaras. Se vão transformar em parque, por que querem comprar? Somos radicalmente contra o fracionamento das terras”, disse André Avelino. E iníciou-se uma luta, que já dura sete anos, e parece sem fim. De um lado a Terracap com ações de reintegração de posse. Do outro, pequenos agricultores familiares que moram e exploram a área, geram empregos e garantem o sustento de muitas famílias. “Em 1994 eu já estava aqui criando gado leiteiro, plantando cana, mandioca, milho e hortaliças. Hoje vivemos inseguros, sem saber o que vai nos acontecer. A gente fica assustado toda vez que um caminhão do GDF para na pista, perto das chácaras. Se eu tiver que sair daqui, pra onde irei?”, disse Manoel Fonseca.


Além dos processos na justiça, cada família foi sentenciada ao pagamento de mais de 3 mil reais referente aos honorários advocatícios. Valor esse que já está em fase de cobrança judicial. André Avelino, por exemplo, teve sua Kombi/96 penhorada, “minha condição financeira não me possibilita arcar de pronto com o pagamento desse valor. Não possuo outro veículo e a kombi é um equipamento imprescindível para a comercialização das hortaliças folhosas, a minha principal atividade econômica com a qual sustento minha família.”, desabafou André.


“Cheguei aqui muito antes da subdivisão. Não pedi terra a ninguém, me deram sem eu pedir. Da noite para o dia nosso documento não vale mais nada e me processam porque querem a terra de volta? Nunca tive problemas com justiça mas, agora tenho processos por uma coisa que não pedi.”, desabafou João Rodrigues da Silva, que junto com os filhos, noras, netos ainda emprega mais quatro pessoas na produção de hortaliças. “Aqui são quatro mas, nos finais de semana o número de empregados dobra por causa das feiras.”, disse Roberta, que preparava as folhosas para as entregas do dia seguinte.


“Entra governo, sai governo e ficamos só com as promessas de que teremos o problema resolvido. Muitos deputados já vieram aqui. Secretários de governo e até governadores já tomaram do nosso cafezinho, mas até agora nada! Simplesmente quando vão embora, nos esquecem!”, disse Antonio Carvalho, produtor de hortaliças, milho e bananas. “O que queremos é a dispensa do pagamento desses honorários advocatícios, mais de 3 mil reais cobrado de cada pequeno produtor, é um absurdo! Não temos como pagar! E pleiteamos também a suspensão dos processos na justiça. Não queremos terra de graça, queremos ficar e pagar por elas. Que seja igual para todos. Precisamos de um sinal positivo para continuarmos trabalhando, produzindo, gerando empregos e provendo nossas famílias e as famílias de nossos empregados. ”, disse André Avelino, com os olhos marejados.


Produção com garra e muitas dificuldades parece ser ítem indispensável no currículo do agricultor familiar. Instalações rústicas e humildes, desprovidos de conforto, muitos não têm um veículo para transportar e vender suas colheitas na cidade. Por causa dos processos judiciais, não conseguem acesso às carteiras de créditos. Trabalham de sol a sol e muitas vezes até bem mais tarde. Não tem feriado ou dia de festa. E fim-de-semana é dia de feira, trabalho dobrado. Pés cansados, mãos calejadas e rostos queimados, quando é chegada a hora de dormir, a cabeça no travesseiro pede por um sono reparador, mas as preocupações ainda não permitem e o produtor dorme. Dorme e sonha. Sonha com o dia em que olhará para o horizonte e agradecerá pela boa colheita na terra prometida.

O Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável acompanha e apóia a luta dos Agricultores Familiares, não só de Santa Maria mas de todo o Distrito Federal.

Isso é Bão Também!

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